19.12.11

FOLHA DE SÃO PAULO - COREANA HYUNDAI TURBINA PIRACICABA


Polo automotivo leva cidade a decisão inédita, de orientar novos investidores a procurar outras cidades da região. Município avalia que impacto econômico da montadora levará pelo menos dez anos para ser assimilado Deok Soo Kim tem 29 anos. Simpático, tenta ensinar ao repórter a pronúncia correta, em coreano, de "obrigado". Em vão. Kim é um dos 700 expatriados coreanos que transitam ligeiros e quietos pelos mais de 70 mil metros quadrados do mais novo polo automotivo do Brasil.

Instalado em Piracicaba, município distante 160 quilômetros a noroeste de São Paulo, a fábrica da coreana Hyundai está mudando o status industrial da velha cidade canavieira. Mudou tanto que o município decidiu adotar uma posição, no mínimo, curiosa: Piracicaba está recusando novas indústrias e orientando-as a buscar abrigo nas cidades vizinhas. "Se a indústria quiser vir para Piracicaba, tudo bem. Mas agora não tem benefício, não tem terreno. Só com a Hyundai vamos precisar de dez anos para assimilar tudo o que veio para cá", diz José Antônio de Godoy, secretário de governo de Piracicaba.

Com investimento de US$ 600 milhões, a Hyundai corre para começar a testar a fábrica em abril de 2012 e inaugurá-la em novembro do próximo ano. Pelas esteiras e elevadores passará um veículo compacto inédito em qualquer uma das seis fábricas da montadora no mundo: o Projeto HB (Hyundai Brasil). O plano é produzir em Piracicaba 150 mil veículos por ano. Para isso, a montadora vai contratar 2.000 funcionários. A marca já atraiu nove autopeças para o parque automotivo. Mais fornecedoras brasileiras do novo carro da Hyundai estão habilitadas para o projeto HB. Toda a estrutura está sendo erguida numa área de 1,84 milhão de metros quadrados, onde antes brotava cana-de-açúcar.

EFEITOS
Resultado do plano Investe São Paulo, criado pelo governo estadual, o projeto da Hyundai dará novo impulso à cidade de Piracicaba. A desapropriação da área rural para a instalação do parque automotivo custou R$ 5,5 milhões. A cidade calcula que vai recuperar cada centavo. A meta de produzir 150 mil veículos por ano resultará no aumento da participação da cidade no bolo do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Piracicaba estima que só a Hyundai vai incrementar as receitas desse imposto em mais de R$ 30 milhões por ano. Hoje, a cidade arrecada R$ 350 milhões. "O valor deve ser maior, mas não temos como estimar os efeitos das fornecedoras", diz Godoy. Os efeitos econômicos já começaram. A cidade vai ganhar novo shopping. Quinze novos condomínios já foram lançados. "São investimentos que não possuem o benefício fiscal do setor automotivo e que, portanto, já geram efeitos nas receitas da cidade."

A formação técnica também avançou. Instituições dos governos federal e estadual e da indústria (o Senai) ampliaram a oferta de cursos de 1.200 para mais de 2.500 vagas por ano. Todos correm. O brasileiro Jairo Pierin, 33, e o amigo coreano Kim vão ajustando os robôs enfileirados na seção de montagem dos chassis. E ambos sabem que estão próximos de um recorde: erguer uma fábrica de automóvel em um ano e nove meses.

NEM COREANO, NEM PORTUGUÊS; VALE O INGLÊS
Funcionários brasileiros e coreanos da Hyundai criaram uma lista com 67 verbetes para facilitar o diálogo imprescindível ao processo de construção do complexo industrial de US$ 600 milhões. Expressões cotidianas, como "bom dia", "boa tarde", ou perguntas do tipo "qual o seu nome", fazem parte da lista. Acharam de incluir até a frase "Sarán rêio" (pronúncia, em língua coreana, para "Eu te amo"). Mas, entre as línguas coreana e portuguesa, o que mais se ouve no canteiro de obras da fábrica da Hyundai em Piracicaba é o inglês. Eui Hwan Jin, diretor-executivo de administração -um dos quatro diretores da montadora no Brasil-, tem uma missão bastante importante, e usa o inglês para isso. A meta é introduzir a cultura da península sul-coreana no dia a dia dos 2.000 funcionários brasileiros que a montadora se prepara para começar a contratar. Há 26 anos na companhia, Jin tem experiência internacional em novos projetos e em novos mercados. Ele foi executivo na implantação das fábricas dos Estados Unidos e da Índia, e sabe que cada país tem suas peculiaridades. "O grande desafio é trazer a cultura da organização.

A recepção local é sempre muito boa, afinal estamos montando uma fábrica. Mas há desafios para fazer o projeto funcionar", afirma Jin. Os brasileiros envolvidos na instalação da fábrica já perceberam que hierarquia é um conceito central na cultura coreana. "Jamais poderei ser mais velho do que meu chefe", explica um brasileiro. A presença coreana em Piracicaba vai diminuir, mas a meta é ter a onipresença. Dos 700 coreanos expatriados que rodam o complexo automotivo (o que inclui 400 só na Hyundai e 300 das demais nove autopeças), poucos ficarão. Após a montagem da maquinaria, a maior parte volta para a Coreia. A Prefeitura de Piracicaba avalia que cerca de 150 coreanos devem ficar na cidade. A ideia inicial de que Piracicaba seria "invadida" por coreanos começa a diluir.

Dos quatro restaurantes inaugurados para a "colônia" coreana, apenas dois estão abertos. Uma igreja metodista missionária para a comunidade daquele país também surgiu na cidade. A igreja metodista tem tradição em Piracicaba. Possui até uma universidade.

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